FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO: UM ENSAIO SOBRE A DÉCADA DE 80, COMO INSTRUMENTO DE TRANSIÇÃO PARA O FUTURO.
Meus heróis morreram de
overdose e os meus inimigos ainda estão no poder, só que nesse começo da década
de 80 o sinal não parece mais fechado para nós que somos jovens. Há um mórbido
ar de abertura, o Regime Militar começa, com acompanhamento popular, a promover
a chamada “transição democrática” e os processos de globalização, urbanização e
industrialização são irreversíveis. Assim, o Brasil adota um estilo de vida
mais urbano, entretanto, ainda vejo, no Planalto e no resto do Brasil, sujeira
para todo lado.
Na virada da década, as fardas e forças ainda
forjam as armações. No entanto, a juventude não é mais aventura e medo que
desde cedo era encerrada em grades de aço. Nesses novos tempos, não mais vai
interessar o que o Estado diz, nós falamos outra língua, se só tocaram o
primeiro acorde da canção, a gente escreve o resto nos dias que virão... se é
que virão. Pois, a engrenagem da juventude já sente a ferrugem de viver e nós
ainda buscamos independência.
Nos anos que vinham, 1980, 1981, 198..., o Regime
Militar dava tímidos sinais de seu fim, mas ainda era ditadura, não via
diferença entre os dedos e os anéis, havia tão pouca diferença e ainda tanta
coisa a fazer. Nossos sonhos permaneciam os mesmos, mas não há mais muito tempo
para sonhar. Ainda havia um muro de hipocrisia a nos rodear.
O General João Baptista Figueredo estava à frente
da presidência e da continuação da abertura do regime. Os exilados políticos
estavam voltando ao país e vários novos partidos políticos nasciam (PTB, PDT,
PT entre outros). Essas meias verdades faziam o povo enxergar um novo mundo
azul, então, em 1984 a população sai às ruas em busca da aprovação da Emenda
Constitucional que restabelecia as eleições diretas, o povo queria
“diretas-já”. Entretanto, a Emenda foi rejeitada e os partidos de oposição
articularam o nome de Tancredo Neves para disputar no Colégio Eleitoral.
Tudo estava mudando muito rápido na sociedade, os
valores, os modos, as vestes... novos empregos abriam caminho junto a expansão
dos serviços educacionais e de saúde que ainda eram precários. Novos hábitos,
como comer fora e a invasão dos eletrodomésticos cada vez mais avançados
acenavam um Brasil urbano, que estávamos na “modernidade”. A globalização
mostrava sua cara e a juventude era, agora, uma banda numa propaganda de
refrigerante. Tais mudanças refletiam-se no aumento das cidades e eu me perdia
na selva de pedras tentando ver entre os prédios o que sobrou do céu.
No plano econômico, o quadro recessivo de nossa
economia foi agravado.
Já no ambiente externo, vivíamos uma “Era Glacial”
sob o medo de uma guerra não declarada, uma “Guerra Fria” que se chegasse às
vias de fato poderia, no espaço de um instante, levar ao fim da odisséia humana
na terra. As duas Alemanha simbolizavam a divisão do mundo, Washington ou
Moscou, e vinham dos quatros cantos da terra: o ódio, a guerra e a ganância.
Essa guerra não declarada extrapolou os anos 80, mas documentou na nossa história
o seu rastro sujo de sangue e glória.
Em 1988, nova Constituição, ainda que inovadora em
certos pontos, não chegou a agradar plenamente à sociedade. Agora, éramos todos
iguais, mas alguns mais iguais que os outros, ainda existia esquerda e direita,
surgem direitos e deveres, os três patetas, digo, os três poderes seriam
supostamente respeitados e consagra-se as liberdades tradicionais como o fim da
censura e condena a tortura.
Já nos idos de 1989, após quase três décadas, o
povo brasileiro voltou às urnas para escolher o Presidente da Republica. Uma
profusão de candidatos e de siglas partidárias, muitas criadas especialmente
para ocasião, revelava a ausência de expressivas lideranças políticas e a
própria fragilidade e inconstância programática dos partidos. E, após uma
campanha demagógica é eleito Fernando Collor de Melo debaixo de uma enorme
expectativa, mas o futuro se encarregaria de mostrar que poder e pudor não
estão juntos e que ainda não sabíamos fazer a escolha mais acertada.
Os anos 80
estavam chegando ao fim e já não havia diferença entre a raiva e a razão,
parecia que tinha sido tudo em vão, as revoltas, as conquistas da juventude, os
discos, as danças, a cara limpa esperando que o tempo mude. Mas eu não desisto
das coisas que eu quero fazer e ainda não fiz, não desisto dessa idéia de poder
comemorar. Nós queríamos comida, diversão, arte, amor e liberdade, queríamos a
vida por inteiro e não pela metade, ainda queríamos o que nos devem... e em
dobro. No final, assim como no começo, da década de 80, ascensão e queda eram
dois lados da mesma moeda e nós continuávamos escrevendo a história sem pressa,
em linhas tortas, à luz de velas e, agora, longe das multidões.
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